terça-feira, 17 de março de 2009

EFEITO DE PREENCHIMENTO

O seu redor estava cálido o necessário para sentir-se só, e essa ausência provocava-lhe inquietação do imaginário junta à estaticidade física.
O aparelho de ar condicionado reiniciou sua atividade provocando zueira fabril; e apenas neste momento percebeu o cheiro de putrefação do lixo que deixara por retirar. O incômodo fez levantar e, num ímpeto, ir até a porta de vidro gelada esfregando os pés descalços pelo tapete, e depois pelo tablado, a fim de ver se o caminhão de lixo havia passado. Não foi capaz de elaborar uma conclusão.
Que cheiro maldito e que ar condicionado insuportável! Foi até a cozinha tirar o lixo e, sei lá, dar um fim naquilo com ou sem lixeiro para levá-lo. Ergueu a tampa e encontrou lascas de carvão, sem ter sua curiosidade aguçada ao ponto de buscar entender o porquê daquilo. Lascas de carvão na lixeira da cozinha? Contentou-se em pegar uma delas e retornar para a sala, pegando também um papel vazio no trajeto.
Sentou-se e, leve, vagarosa, delicadamente, o preencheu em carvão. Quanto mais acarvoado o branco se tornava, menos conseguia enxergar, até que, sem visão, o que se percebia eram ruídos, odores, tapete macio e tablado envernizado, seus companheiros únicos, eternos e que não viriam a ter explicação. A sua cegueira era não ter razão, porque perdera as chances de tê-la.